Em resumo Rock In Rio Em uma palavra, teria que ser esta: grande. Ou talvez até isso: GRANDE.
O gigantesco festival, que aconteceu na última semana de setembro e na primeira semana de outubro no Rio de Janeiro, Brasil, se autodenomina a maior extravagância musical – o maior show do mundo. E, com um pouco de matemática maluca, isso até que é verdade: ao longo de sete dias individuais, com ingressos disponíveis apenas para o dia, são 100.000 pessoas multiplicadas por sete dias – 700.000, em comparação com os cerca de 200.000 presentes no local do Glastonbury durante todo o fim de semana.
Mas não é tanto a capacidade do evento que lhe dá escala, é a experiência e a maneira como os organizadores o abordam. Cerca de três vezes por dia, há uma exibição épica de fogos de artifício. Cada dia termina com sua própria música tema. O local não é uma coleção comum de tendas e andaimes – tudo parece ter sido construído para durar, como um mega shopping novo e brilhante. Assim O Rock In Rio existe em um espaço único, em algum lugar entre um festival, um parque temático e um culto religioso. É a Disneyworld para seus fãs fanáticos, com Freddie Mercury como mascote.
https://www.youtube.com/watch?v=1x-LJz6rdZQ
O lugar que o Rock In Rio ocupa no coração dos amantes da música brasileira é tão grande que os frequentadores são conhecidos por beijar o asfalto ao entrar na arena. Entender tudo isso é entender as origens improváveis do evento como uma tentativa audaciosa de realizar o maior show do mundo em um país onde, em seu início, isso parecia não apenas improvável, mas impossível. O Brasil não estava no circuito de turnês, e as condições políticas e sociais dificultavam a realização de grandes eventos. No entanto, em 1985, o Rock In Rio foi lançado com um público de 1,5 milhão de pessoas no total e um line-up que incluía Iron Maiden, AC/DC, Yes, Rod Stewart e um show que marcou a carreira do Queen, este último visto por uma audiência global de 200 milhões de telespectadores. Para um país apaixonado por rock, mas carente de oportunidades de vivenciá-lo ao vivo, o Rock In Rio foi um milhão de Natais, tudo de uma vez.
A edição de 2019 foi realizada em uma nova casa – o local dos Jogos Olímpicos de Verão de 2016, o que significa que as instalações eram incomparáveis. O evento foi dividido em várias zonas temáticas (daí a comparação com o parque temático), com uma rua retrô de 1985, a Route 85, em homenagem ao primeiro Rock In Rio, uma área de dança de alta tecnologia e uma “Rock Street” de estilo asiático com uma programação completa de artistas do continente asiático. Havia também uma roda-gigante, uma tirolesa que passa pelo palco principal, permitindo que as pessoas se elevem acima da multidão – mesmo durante os shows das atrações principais -, um palco de karaokê da Coca-Cola, onde os clientes podem se tornar artistas, uma loja de mercadorias do tamanho de um supermercado e uma montanha-russa. Sim, uma montanha-russa. O espírito do festival continua o mesmo de 1985: realizar um show de cair o queixo com os maiores artistas do mundo no momento. Os headliners deste ano são: Drake, Foo Fighters, Bon Jovi, Red Hot Chili Peppers, Iron Maiden, Pink, Muse.
Aqui estão algumas das melhores coisas sobre o grande, impetuoso e brilhante Rock In Rio, em sua encarnação moderna.
Tinha um sabor de Brasil
Embora os headliners do Rock In Rio todos tenham vindo dos Estados Unidos, Canadá ou Grã-Bretanha, a música local estava presente em todos os lugares do festival, e os artistas variavam de tesouros nacionais a novatos.
Ivete SangaloIvete Sangalo, uma popstar brasileira veterana que se destacou no grupo Banda Eva antes de embarcar em uma carreira solo de enorme sucesso, trouxe um show que foi o mais OTT e brasileiro que se pode imaginar, uma explosão de cores e samba, com dançarinos vestidos em trajes completos de carnaval do Rio e – em um determinado momento – um gato gigante e deslumbrante que Sangalo montou no palco. A própria cantora usou um traje de gala com joias – e um sorriso radiante – durante todo o show.
Representando o novo pop brasileiro no mesmo dia estava o Iza, uma carioca de 29 anos que foi descoberta cantando covers no YouTube e lançou seu primeiro álbum de pop influenciado pelo funk de Brasília em 2018. Ela compartilhou parte de seu show com o “sambista” de 71 anos Alcione Nazarethe a combinação de jovens e, bem, menos jovens, foi um golpe de gênio.
No fim de semana seguinte, a AnittaAnitta, a Beyoncé brasileira, e a estrela pop local com maior probabilidade de sucesso na Europa, graças ao seu show ao vivo de arregalar os olhos, à sua atitude progressiva e a um punhado de sucessos pop de primeira linha.
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O melhor de tudo foi a Elza Soares, cuja música politicamente carregada a coloca em algum lugar entre MIA e Patti Smith. Uma sambista pioneira cuja vida foi tocada por tragédias e triunfos, ela se apresentou em sua cadeira de rodas em um segundo nível acima do palco, enquanto um elenco rotativo de jovens talentos brasileiros a acompanhava em faixas individuais. Em seu set surpreendente, que se baseou em grande parte no novo álbum “Planeta Fome” – seu 34º! – ela celebrou a solidariedade com a comunidade transgênero do Brasil e liderou o público em um canto de “Vai se foder Bolsonaro”, desafiando o polêmico presidente do Brasil, o chamado “Trump dos trópicos”. As letras de Soare são potentes e diretas, e suas mensagens são sempre certeiras. “Vivemos no país dos sonhos, mas os senhores precisam acordar”, disse ela ao público em determinado momento.
O senhor poderia experimentar o som das ruas
O Rio de Janeiro é famoso por muitas coisas – a estátua do Cristo Redentor, Copacabana, a praia de Ipanema, o Carnaval e o Pão de Açúcar, entre outras – mas também é conhecido por suas vastas favelas, as habitações que se alinham em suas encostas e contrastam de forma chocante com os blocos de apartamentos dos milionários na costa. No Rock In Rio, um palco de favela recriou a aparência de uma favela carioca, e possivelmente não da maneira mais sensível do ponto de vista cultural, mas a intenção por trás disso era admirável: era dar aos rappers, dançarinos e cantores dos bairros mais pobres da cidade uma participação no festival – todos os artistas eram das favelas. O palco foi encerrado, todas as noites, com uma festa na favela, na qual os artistas dançaram e fizeram freestyle ao som do contagiante funk de Brasília, embora sem a ameaça de a polícia chegar para fechá-los.
Drizzy foi pego pela garoa
O senhor não viaja para o Rio de Janeiro esperando pegar chuva, mas o primeiro fim de semana do Rock In Rio foi bem encharcado. “Devemos ser abençoados porque a chuva parou e eu adoro esse tipo de coisa”, disse o rei do emo-rap Drake, que subiu ao palco para sua apresentação principal no dia de abertura do festival. E ele deveria saber disso, porque a maldição de Drake voltou em grande estilo, e logo suas manifestações emocionais foram acompanhadas por algumas chuvas torrenciais também. No entanto, isso não impediu que The 6 God tocasse uma apresentação brilhante e empolgante, que, apesar do enorme tamanho do evento, conseguiu encontrar alguma intimidade. Acho que sou o único rapper que vem aqui todas as noites e tem que cantar uma dança lenta para os senhores”, disse ele depois de “Passionfruit” e “Summer Games”. Depois de “Hold On We’re Going Home”, ele disse ao público: “Então é verdade o que dizem. O Brasil canta cada palavra. Estou arrepiado, Brasil, é isso que o senhor está me dando esta noite”. Foi a primeira vez que Drake tocou no país e ele fez valer a pena com um set que incluiu tudo o que um fã poderia querer ouvir, de “One Dance” a “Hotline Bling”, passando por cortes profundos e covers. “Essa pode ser a minha primeira vez, mas definitivamente não será a última”, concluiu.
Houve um gostinho da turnê Hella Mega – graças ao Weezer
No próximo verão, Weezer decolam na turnê Hella Mega ao lado do Green Day e Fall Out Boyno que pode ser o melhor dia para as crianças dos anos 90 e 00 que ainda gostam de piadas sobre peidos. Dando uma prévia do tipo de festa que os aguarda, o Weezer tocou um trecho de “Longview”, do Green Day, um dos vários covers em um set que também os levou a tocar “Africa”, do Toto, “Take On Me”, do A-Ha, e “Lithium”, do Nirvana, em homenagem aos headliners do dia, o Foo Fighters.
Mais tarde, Dave Grohl gritou com o grupo por seu tributo. “Eu estava nos bastidores e ouvi o Weezer tocar a música Lithium e tenho que ser honesto, chorei um pouco”, disse ele ao público antes de “Big Me”. “Sinto falta de tocar [Lithium]. Então essa música vai para o Weezer”.
Formando a outra parte do sanduíche de rock naquele dia estava o Tenacious D, que fez uma provocação ao presidente dos EUA antes de sua faixa ‘The Metal’. “Derrotamos Donald Trump, quero dizer – Satanás – com nosso rock”, disse o vocalista Jack Black. “E qual é a forma mais poderosa de rock? É isso mesmo: o metal”. O que nos leva a…
O dia mais pesado do heavy metal
É uma prova do poder de atração do Rock In Rio que, em um único dia, várias das bandas de metal mais influentes de todos os tempos – e Helloween – estavam reunidos no local e prontos para tocar. Então, tivemos os chefes do thrash Anthrax e Slayercujo círculo gigante girava como vórtices no próprio inferno, e cujo guitarrista Gary Holt usava um camiseta onde se lia “fodam-se as Kardashianso que faz dele a única pessoa no local que não está usando uma camiseta de heavy metal.
Anthraxda mesma forma, não fizeram prisioneiros, com o guitarrista Scott Ian dizendo à multidão: “Se os senhores não estiverem no fosso, podem bater a cabeça, podem tocar as cornetas, podem pular para cima e para baixo, podem andar na porra da roda-gigante – mas todos têm que se mexer, OK?”
Também tivemos heróis nacionais Sepulturaque abriram o palco principal com um set feroz, uma “Ratamahatta” cheia de adrenalina e um tributo comovente ao ícone do heavy metal brasileiro Andre Matos, do Viper e do Angra, que morreu em junho. Mais tarde, a banda alemã de speed metal melódico Helloween e – com o rock do dia se tornando cada vez mais lúdico – as potências britânicas Iron Maiden , com o título.
Dizer que o Iron Maiden é popular no Brasil é um eufemismo, e o próprio Rock In Rio é uma espécie de segunda casa para eles, tendo se apresentado na primeira edição em 1985. Dirigindo-se à multidão, o vocalista Bruce Dickinson descreveu o Rock In Rio como “O maior show que já existiu, provavelmente no mundo… Enquanto estivermos vivos e os senhores estiverem vivos, continuaremos voltando para vê-los no Brasil”.
Ao assistir ao Iron Maiden no Rock In Rio, é fácil ver por que existe esse caso de amor mútuo – ambos são totalmente OTT e malucos, à sua maneira. O set do Iron Maiden começa com um spitfire gigante no palco, apresenta um Eddie maior do que a vida lutando com (e fazendo sinais de punheta para) Dickinson, e uma águia inflável gigante. Dickinson, por sua vez, trata todo o show como se estivesse fazendo um teste para uma pantomima, às vezes como o herói fanfarrão, às vezes como o vilão assustador, como em “Fear Of The Dark”, quando ele aparece como uma espécie de figura melodramática do Phantom Of The Music Festival. Toda a experiência é ajudada pela encenação de seu brilhante show em turnê, que usa cortinas teatrais pintadas como pano de fundo em vez de qualquer coisa tão moderna como uma tela.
Antes de uma empolgante “Run To The Hills”, que parece ver Dickinson acompanhado por todas as 100.000 vozes presentes, ele diz: “Cada uma é tão boa quanto a primeira – talvez voltemos, se os senhores forem bons”. Aposto que sim.
Depois do Maiden, em um espaço pós-cabeça de cartaz, o The Scorpions tocou um set de encerramento, reprisando sua própria apresentação na edição de 1985 e provando que roqueiros antigos não morrem, eles apenas voltam parecendo um híbrido de Marilyn Manson/Liza Minelli saturado em uma solução salina.
Os artistas entraram no clima brasileiro
Tocar no Rock In Rio é claramente algo especial, graças à paixão das vociferantes multidões brasileiras e ao tamanho do evento. Por isso, a maioria dos artistas entra no espírito do evento, seja cada uma das bandas se enfeitam com uma bandeira do Brasil, Red Hot Chili Peppers o baixista Flea dedicando “The Power Of Equality” à floresta amazônica, ou o H.E.R. tocando “Mas Que Nada” depois de se declarar convertida ao Rio. “Eu adoro as pessoas”, disse ela à multidão, “mas principalmente adoro a comida”.
Havia um circo incrível de cair o queixo
Não, volte. Esse foi um circo do tipo Cirque Do Soleil, sem o alto preço. Rock In Rio comissionado Fuerza Bruta, uma companhia de teatro argentina, para criar uma experiência especial e única para o Rock In Rio, que aconteceria em uma das três arenas permanentes (na verdade, antigas instalações olímpicas) do local. E cada apresentação de 30 minutos era como estar em uma boate no fim do mundo, com pessoas voando em cabos altos, um DJ atacando o público com uma máquina de vento e bolas de pessoas emaranhadas dançando na chuva interna. Coisa mágica. E as performances artísticas continuaram: em outra arena estava o Nav, uma instalação de arte musical e física com o tema do meio ambiente que imergiu o público na grandiosidade da natureza.
Também houve uma exposição de videogames, só porque
Assim, se o senhor se cansasse de assistir a artistas de massa, poderia jogar em jogos de fliperama retrô e máquinas de pinball, experimentar jogos novos e até mesmo participar de um jogo de Pac-Man em ação ao vivo (exatamente como parece: o senhor corre por um labirinto usando um capacete bobo). Divertido!
E o evento virá para Lisboa no próximo ano
O senhor pode nos acompanhar nessa história. O Rock In Rio foi fundado em 1985 com um objetivo simples: realizar o maior show do mundo. E, com uma pequena ajuda do Queen, eles quase conseguiram. Ao longo dos anos, a instabilidade política e social no Brasil dificultou a realização do evento, portanto, 34 anos depois, a edição de 2019 foi, na verdade, a oitava em solo nacional. Para preencher as lacunas, o Rock In Rio viaja pelo mundo e já teve edições em Las Vegas, nos EUA, Santiago, no Chile, Madri, na Espanha, e no que se tornou sua segunda casa, Lisboa, a capital portuguesa, onde acontece no próximo ano. Portanto, se o senhor quiser conferir o festival mais louco e OTT do mundo, não vai custar nada.